quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

ANTONIO FERNANDES GONÇALVES NETO




Acadêmico-correspondente da ASCLEA desde 27 de dezembro de 2018. Chico, ganhou esse apelido inverossímel da avó materna, assim ela o chamava por um desejo incontido de que o neto fosse batizado Francisco. Chico Fernández, com esse codinome tornou-se conhecido em Salvador/Ba, onde vive desde 1994. Nasceu em São Cristóvão, no dia 16 de maio de 1966, amparado pelas mãos de sua tia materna, a parteira Almerinda. Primeiro de 7 filhos (4 homens e 3 mulheres), do casamento de José Fernandes Gonçalves, comerciante de secos e molhados, de procedência alagoana, e de Maria Alice Freire de Oliveira, de família sancristovense, que no lar desempenhava as tarefas de dona de casa e costureira profissional.

FORMAÇÃO ESCOLAR 
Cresceu na histórica e bucólica São Cristóvão, passando aí a primeira etapa da vida: casa da família, sítio das Pedreiras, onde reunia-se a família materna; a casa do avô paterno, o Armazém do pai, feiras, missas, praças, brincadeiras de rua. Sua infância e adolescência tiveram como cenário a arquitetura barroca, de igrejas e casarios, ruas estreitas e pessoas conversando demoradamente, praças aJardinadas, a natureza e um silêncio conventual. Esse panorama mudava abruptamente pelas festas como carnaval, São João, eventos religiosos como a Procissão do Senhor dos Passos, ou ainda o movimentado Festival de Arte de São Cristóvão (FASC), promovido pela Universidade Federal de Sergipe, com o Apoio da prefeitura local e outras instituições. Esses festivais deixariam fortes impressões artísticas-culturais no imaginário da comunidade e do menino ChIco. 

Sua vida escolar na Velha Cap foi iniciada no Jardim de Infância Frei Fernando e sequenciada na extinta Escola Vigário Barroso. Esta escola ficava na praça da Matriz, instalada no sobrado aonde outrora funcionou a Câmara e Cadeia. No ano de 1990, durante o FASC, nele funcionava o Centro de Artes Aloísio Magalhães, quando abrigou sua exposição coletiva fotográfica de tematizando a beleza, intitulada “Multiforme”. 

Concluiu o secundário na recém–construída Escola “Gaspar Lourenço”, localizada no Bairro Apicum Merém e dirigida pela saudosa Prof. Terezita Paiva. Na nova escola, leu as primeiras histórias de aventuras pelos mares, monstros e heróis da mitologia grega, conheceu personagens dos enredos das histórias em quadrinhos e escreveu pequenos contos. Também nessa escola, pela primeira vez, numa festa de encerramento do ano, ouviu e alegrou-se com o som do “vira” e o visual psicodélico dos Secos e Molhados, conjunto musical performático dos anos 70, tendo como vocalista, o cantor Ney Matogrosso. 

Por esse tempo, ganhou certo livro e encantou-se com a fantástica e poética história do “O menino do dedo Verde”, de Maurice Druon, grande sucesso mundial da literatura francesa. Durante o curso ginasial no Colégio Paulo Sarazate em São Cristóvão, participou de gincanas culturais, diferentes atividades esportivas, organização de eventos, diretoria de clubes sociais, desfiles de moda e beleza, e também dos diretórios estudantis. No campo das artes, um pouco de teatro, artesanato com cinzel, aulas de canto e Literatura brasileira. 

VIDA PROFISSIONAL 
Aos 2O anos, a morte do pai modificaria o curso da vida. As experiências com cabelo e maquiagem, adquiridas inicialmente nas espaçadas atividades teatrais, evoluíram como profissão. Na primeira oportunidade, como auto-didata, inaugurou um pequeno salão de Cabeleireiro, em Aracaju, capital, atuando no período de 1988 e 1994. Na busca de desafios, migrou para Bahia neste ano. 

Na capital baiana, Salvador, apesar da rotina do trabalho, à medida que especializava-se quanto às habilidades profissionais específicas, dedicou-se a novas leituras; o caráter curioso, investigativo, direcionaram a novos campos de pesquisa: sociologia, psicologia, zoologia, neurociência, física quântica, mitologias, conhecimentos ancestrais, dentre outros. No campo das Artes, tomou aulas para ampliar a noção de desenho e pintura, pesquisou assuntos sobre o embelezamento, saúde, moda, comportamento. 

ARTES E PRODUÇÃO: VISAGISMO - DANÇA 
Chegou aos 40 anos como visagista, com formação em São Paulo, capital, ministrada pelo artista plástico e arte-educador Philip Hallawel. O conceito do visagismo basea-se no estudo das linhas fisionômicas, relacionando-as a padrões de formas da natureza e as leis que regem a harmonia e a estética, com finalidade de configurar uma imagem verdadeiramente personalizada. Angariou vivências relativas à prática de Yôga, meditação, terapêutica bioenergética e seus respectivos fundamentos filosóficos. 

Em 2011, ingressou no curso de Dança, na Universidade Federal da Bahia (UFBA), onde graduou-se e adotou a corrente de pensamento da Educação Somática, campo dos estudos sobre a unidade do corpo, sua anatomia, movimento, mente, emoção, percepções. É licenciado em Dança desde 2016. 

Atualmente, cursa língua inglesa na Universidade Federal da Bahia. Chico Fernandez experimenta Dança como forma de desenvolver maior energia vital, bem-estar e auto-conhecimento; e compartilha seus conhecimentos em oficinas, seminários, conferências e na revista Papo de Salão.

PATRONO 2
MANOEL FERREIRA SANTOS


LEGADO DO POETA ONOMÁSTICO

Por Thiago Fragata*

1 - ORIGEM DO RÓTULO QUARTA CIDADE MAIS ANTIGA

No dia 30 de julho de 2015, faleceu o Sr. Manoel Ferreira Santos (1922/2015), 92 anos, em sua residência localizada no centro histórico de São Cristóvão. Compareci ao velório que aconteceu no Museu Histórico de Sergipe. Os filhos aceitaram a última homenagem desta instituição que teve o pai como seu primeiro diretor. Entre os anos de 1960 e 1970, Manoel Ferreira geriu o museu instalado no antigo Palácio Provincial. 

O padre Valtervan Correia Cruz afirmou que o Poder Executivo, se tivesse a ciência dos serviços prestados por esse cidadão ao município, decretaria luto oficial por 3 dias e conclamaria toda a cidade, seus estudantes a participar do funeral. 

Os oradores resenharam a trajetória e o carácter do amigo, pai, avô, poeta, homem público e religioso que foi Manoel Ferreira Santos. O homenageado trabalhou na Fábrica Sam Christovam, aliás, chegou à cidade em 1935 para ser apontador no escritório da empresa. Fez carreira política a partir do operariado e população carente. Foi deputado estadual pelo PTB (Partido Trabalhista Brasileiro); fundador-proprietário do Restaurante Candangos, que se tornaria a principal casa de shows da cidade nos anos 1960 a 1970; a última experiência na seara política foi uma candidatura ao governo do Estado em 1980. Como deputado estadual defendeu a instalação de curso ginasial em São Cristóvão e proteção das nascentes dos rios. Em meados da década de 1990, foi eleito o presidente do Alcóolicos Anônimos (AA), secção São Cristóvão, onde realizou mais uma importante contribuição à sociedade sancristovense. 

Um fato desconhecido do público que compareceu as exéquias do poeta foi o seu papel na criação da marca Quarta cidade mais antiga do Brasil, como ficaria afamada São Cristóvão a partir de 1967. 

As pesquisas indicam que, até a década de 1960, esse rótulo não existia, por essa razão não era divulgado nos meios de comunicação. Ele surge com Manoel Ferreira dos Santos, então diretor do Museu Histórico de Sergipe. Naquela época, José Calasans, Freire Ribeiro, Manoel Cabral, Sebrão Sobrinho e até Jorge Amado vivenciavam a antiga cidade: uns, a trabalho; outros, como exercício literário ou passeio. Irremediavelmente, visitavam o museu e eram ciceroneados pelo poeta grandiloquente com suas recepções. Manoel Cabral, escritor e companheiro de partido de Manoel Ferreira, recomenda aos turistas: “Guarde a tarde para o Museu e Manoel Ferreira.” 

2 - ORATÓRIA E DA POETICIDADE
A voz grave e maviosa de Manoel Ferreira, exímio orador, encontrava a acústica perfeita nos conventos seculares e no antigo Palácio Provincial, atual Museu Histórico de Sergipe. Inúmeras plateias e comitivas foram surpreendidas por suas intervenções, que sempre eram substanciadas por versos, maioria de sua lavra. Irei tratar da sua oratória e da poeticidade.

No primeiro trimestre, quando deixou a direção do Museu Histórico de Sergipe, em 1971, o vice-presidente da gestão Garrastazu Médici: Augusto Rademaker chegou ao Estado em visita oficial. Em sua agenda, constava uma ida à ex-capital (São Cristóvão). Era unânime a opinião de que Manoel Ferreira era o cicerone ideal, porém ele não trabalhava na instituição cultural. Resumo, o governador veio até São Cristóvão no dia anterior rogar ao poeta uma recepção à altura da ocasião. Sobre o sucesso, basta informar que, semanas depois, o poeta integraria o quadro de pessoal do novo governo.

Augusto Rademaker era um militar linha dura, um dos figurões execráveis do triste período conhecido como Ditadura Militar. Infelizmente, muitos cidadãos brasileiros que se opuseram às vicissitudes da realidade política imposta foram perseguidos, torturados e mortos, com o aceno de militares como Rademaker. Sisudo, o militar chegou a exibir o riso num momento descontraído da palestra proferida por Manoel Ferreira. 

Vendo a foto da recepção oferecida ao vice-presidente Augusto Rademaker, registro de 1971, guardada como relíquia no acervo familiar, recordo outra mais recente, de 1982, quando Manoel Ferreira, na condição de candidato ao governo de Sergipe pelo seu partido (PDT), recebeu Leonel Brizola, que peregrinou no Estado angariando votos para o seu distinto correligionário.

Memórias em confronto, dois encontros de Manoel Ferreira com políticos de ideologias opostas. Sua performance era impecável como anfitrião, cicerone de uma grandiloquência que emendava versos e oportunas passagens bíblicas. Teremos saudades do homem, da sua voz inconfundível. (2)

Batizei ele “poeta onomástico”, pois seus versos brotavam diariamente, era uma necessidade básica. Também, seu mote inspirador era a data comemorativa, o santo ou a personalidade que iria encontrar no dia, o evento agendado ou visita surpresa. Por isso, muitos receberam suas poesias em dias de aniversário, casamento, formaturas, conquistas, chegadas, despedidas, ou inaugurações, enfim, momentos importantes que mereceram ganhar versos para ficarem eternizados por esses versos. Acrósticos, ele também cultivava essa arte que consiste em formar frases a partir das iniciais do nome do homenageado.

Impossível dizer quantos poemas e/ou acrósticos ele fez. Infelizmente, o vate prolífero nunca publicou livro. Dizia que “tudo precisava de uma boa revisão” ou que produzia apenas “versos simples”. 

A oratória dele cativava plateias, e suas intervenções não constavam na programação dos eventos. Eram, de fato, maravilhosas intervenções. Uma posse, aniversário, batismo, missa..., da multidão ecoava uma voz grave e aveludada, era ele quebrando o silêncio e/ou a modorra. Se ele convertia ouvintes? Não sei, mas o depoimento da professora universitária Maria Batista Lima Silva deve constar no tópico. Durante uma de suas palestras, no II Círculo dos Ogãs, dia 30 de outubro de 2013, a pesquisadora das questões étnico-raciais revelou que decidiu estudar o tema depois que assistiu a uma intervenção que Manoel Ferreira Santos na distante década de 1990. “Foi no Convento do Carmo, ele encerrou recitando a poesia Deus Negro, de Neimar de Barros”. A poesia era uma de suas prediletas pois discorria sobre um tema que lhe era muito caro, o racismo. Ela tem 76 versos! (3)

Ao recitar uma obra de fôlego, com todos os versos, de forma irretocável, o poeta impressionava. Festejado em sua comunidade, especialmente, na comunidade estudantil do Colégio Estadual Senador Paulo Sarazate, foi convidado para compor o júri de uma gincana cultural nos idos de 1978. Na ocasião, a poetisa Maria Glória, na época, estudante do 7º ano, testemunhou mais uma façanha do memorioso. Ele percebeu que o estudante omitiu versos do “Navio Negreiro”, de Castro Alves; “mutilou o poema” justificou o exigente jurado. Detalhe: o poema em questão contém 240 versos! (4)

Eis um pouco do orador, do poeta onomástico, do agente cultural Manoel Ferreira. De fato, sua folha de serviços prestados ao município de São Cristóvão é extensa. Temendo que o legado se perca no completo esquecimento e omissão reclamada pelo padre Valtervan Correia Cruz, sugiro que entidades, como o Museu Histórico de Sergipe, organizem um evento, seminário ou roda de conversa para desvelar o homem e sua obra. Muitos diziam que o poeta onomástico era um homem a merecer estátua numa das praças da cidade que ele adotou como sua e tanto trabalhou para seu desenvolvimento. Em sua humildade cristã, Manoel Ferreira discordava de tamanho galardão. Vezes, desconversava ou silenciava, mas exultava com a boa opinião dos amigos(as). Também discordava: achava que ele merecia mais que isso. Aliás, este foi o tema inspirador de uma poesia ofertada no seu último aniversário:

Eis o vosso merecimento
o veredicto neste natalício:
estátua na praça!? 
mas se festeja 94 anos, Manoel Ferreira, 
a cidade é que tem sorte
pois o bronze negaria a estatura do teu porte
mesmo o ouro ocultaria o valor do teu caráter.
Amigo, o mármore seria frio demais para vossos pés 
continuai assim um pensador orfão de Rodin
louvando o teu Senhor, rezando poesias
pois versículo é diminutivo da palavra verso. (5)

*Thiago Fragata é poeta e historiador. Email: thiagofragata@gmail.com

NOTAS DA PESQUISA
1 -  Arquivo Particular de Manoel Ferreira dos Santos, São Cristóvão. Oficio do Secretario- Geral do Conselho Federal de Cultura, Manoel C. Bandeira de Mello, ao Diretor do Museu de Sergipe, Manoel Ferreira dos Santos. N. 141, 29 de agosto de 1967. Datilografado 
2 - Entrevista com Manoel Ferreira Santos. São Cristóvão, 
3 - Depoimento de Maria Batista Silva, São Cristóvão. 30 de Outubro de 2013.
4 - Depoimento de Maria Gloria Santos, São Cristóvão. 10 de Julho de 2015.
5 - Manoel Ferreira Santos, poesia de Thiago Fragata publicada em “São Cristóvão poética e xilogravada”, de 2015.
Imagens: Leonel Brizola e Manoel Ferreira Santos. Candidatura deste ao Governo do Estado, 1982.

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